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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Conto: “ O Cavaleiro e a Pedra da Felicidade” – 3ª Parte – Final - de Florbela de Castro




Já tinha entrado nas portas da cidade quando percebeu que algo havia acontecido. As pessoas reuniam-se em grupinhos, murmurando ou até vozeando com vivacidade. Mais preocupado ficou quando viu Shabnan vir ao seu encontro, rodeada de alguns escravos.

- Adolfo foi capturado e vai ser apresentado num leilão de escravos. – Comunicou Shabnan a meia voz e antes que Ivanoel perguntasse o porquê, ela informou que o rumor da sua condição feminina e masculina se espalhara e como escravo ele valia uma fortuna. Sobressaltado, correu para a tenda gigante no centro da cidade, onde decorriam os leilões de escravos.

Naquele momento ainda licitavam Adolfo e as ofertas eram absurdamente altas. Ivanoel jamais poderia acompanhar ou travar tais paradas.

Tentou dissuadir os mercadores mas estes afastavam-no rudemente. Num ponto estratégico viu o Sultão do reino vizinho e o seu grande séquito, ricamente trajados. Tentou chegar-lhe e pedir-lhe clemência mas foi barrado e até expulso da tenda.

Adolfo acabou por ser comprado pelo dito sultão.

O moreno cavaleiro regressou a casa de Navid e este e Shabnan esperavam-no.

- Nada podeis contra o Sultão, caro amigo Ivanoel. – Garantiu Navid – Mas talvez Shabnan vos possa ajudar.

Esta retirou-se por minutos para os seus aposentos e surgiu com duas moedas de ouro pequenas.

- Levai estas moedas e colocai uma na boca – Informou a formosíssima mulher – Ficareis invisível e podereis entrar no palácio do Sultão e procurar Adolfo.

Ivanoel assim fez, cavalgou até ao reino vizinho e facilmente entrou no palácio do Sultão sorrateiramente. Procurou-o nas masmorras sem sucesso. Percorreu algumas partes do palácio sem o encontrar. Então lembrou-se. Procurou na ala das mulheres e acabou por descobrir Aegle ricamente trajada, sobre um leito. Parecia calma mas com vestígios de lágrimas no seu rosto. O cavaleiro acercou-se dos véus de musselina que circundavam a alcova e tirou a moeda da boca. Os olhos de Aegle brilharam ao ver Ivanoel. Este instou-a ao silêncio e deu-lhe a moeda explicando-lhe tudo num sussurro. Meia hora depois estavam fora do palácio. Chegaram às portas da cidade e à casa de Navid antes de amanhecer.

Shabnan aguardava-os ansiosa. Após as congratulações, ela perguntou pela Pedra e Ivanoel mostrou-a contando o que dissera o Guardião da Pedra. Aegle tomou-a nas mãos e afagou-a tristemente. Inesperadamente viu-se uma luz cintilante e surgiu um ancião muito semelhante ao Guardião que Ivanoel vira. O ancião sorriu bondosamente para todos e olhando para Ivanoel dirigiu-se-lhe com indulgência:

- Meu filho, vejo que já experienciaste mais aventuras após vos terdes despedido de mim. A Pedra da Felicidade é activada pelo Amor, como sabeis. Chegou a hora de escolherdes com o coração. Chegou a hora do resgate desta Graciosa Dama. Caso Aegle se torne mulher, o vosso amigo Adolfo desaparecerá para sempre mas Aegle terá uma oportunidade de ser feliz.

Ivanoel hesitou, balbuciando:

- Adoro Adolfo…Meu Amigo... Companheiro de Armas como nunca tive… Dói-me perdê-lo… Não posso escolher…O meu sentimento vai para Shabnan… no entanto… não desejo prejudicar esta dama que já passou por muito…

-Pois, eu escolho ficar para sempre como Adolfo! – Interrompeu Aegle com intensidade. – A vida sorri-me mais como cavaleiro e como vivo só, é-me mais vantajoso ficar assim… E assim também não perdereis o vosso amigo…

- Nobre Dama, não cometais tal desvario! – Exclamou Ivanoel protestando alvoroçado mas sem no entanto conseguir dissuadir Aegle.- Não o façais por minha causa!

- Não, Cavaleiro! Faço-o por minha!

Então o ancião sorriu de forma indulgente e proferiu em tom firme:

- Que se faça consoante a vossa vontade, minha filha!

E naquele momento Aegle ficou transformada em Adolfo para sempre.





Ivanoel pedira Shabnan em casamento e os preparativos já tinham arrancado. Adolfo mostrava-se seu amigo fiel e, fora algumas sombras de tristeza no olhar, parecia aceitar o destino com resignação e coragem. Afastara-se discretamente do convívio com Shabnan e no presente momento as mulheres mal se falavam ou olhavam.

Ivanoel às vezes mirava-o disfarçadamente, sondando o estado de espírito do franzino cavaleiro, porém também observando a sua figura frágil mas masculina. Preocupava-se com o amigo e ao mesmo tempo sentia-se estranho pois a existência de Adolfo de facto parecia ilusória e a pessoa que ele encarava era uma mulher na realidade.

- Porque me olhais? Acaso não vos pareço autêntico? – Adolfo parecia adivinhar os pensamentos do amigo.

- Isto é demasiado confuso para mim. Sempre adorei Adolfo, mas agora… Sempre que vos olho sei que está aí uma mulher… e tudo fica confuso.

- Sou vosso Amigo. – Frisou Adolfo- O resto perde-se nas brumas do passado.

Ivanoel suspirou e abanou a cabeça como que para afastar dúvidas. – Muito bem, Cavaleiro Adolfo, bebamos então como dois bons comparsas.

E assim tentaram manter um clima ameno até ao dia do casamento. As bodas celebraram-se com grande fausto. Tanto Shabnan como Ivanoel trajaram maravilhosas vestimentas de brocado e seda. Grandes festejos tiveram lugar, onde foram servidas opíparas iguarias.

Adolfo olhava distraidamente para as bailarinas quase desnudas que o tentavam seduzir. Sentia-se um pouco ébrio. No entanto o roçagar das musselinas na sua cintura fê-lo despertar. Era tarde e aquele era o sinal que lhe mostrava que estava na hora de se retirar.

Adolfo não tinha reparado que Shabnan e Ivanoel se tinham retirado há algum tempo. Fizera por não reparar nisso. Sentia o seu coração seco, onde a dor já nem sequer ressoava.

De repente ouviu um rumor vindo dos aposentos nupciais. Escapuliu-se para trás de uma gelosia, escutando.





Meia hora antes os recém-casados haviam-se retirado para os seus novos aposentos. Namoriscavam em cima da alcova entre risos e sussurros e Ivanoel brincava com as jóias da sua nova esposa, dispersando-as pelo corpo de Shabnan. Esta, a certa altura, pediu-lhe para usar a Pedra da Felicidade. O cavaleiro fitou-a um pouco surpreso mas acedeu. Levantou-se e abeirou-se dum cofrezinho diminuto, todo cravejado a pedras preciosas. Aegle após a transformação não quisera usar mais a Pedra e então o moreno Cavaleiro guardara-a. Mal este abrira-o, Shabnan atirou-lhe com água à cara e proferiu:

- Incauto! Deixai a vossa forma original para vos converterdes numa ave!

E no lugar de Ivanoel surgiu uma ave. Adolfo escutara e observara tudo horrorizado. Shabnan prendeu Ivanoel numa gaiola de ferro e ausentou-se. O cavaleiro franzino saiu do seu esconderijo e tentou abrir a gaiola mas foi em vão. Provavelmente era uma gaiola mágica. Olhou para o cofrezinho mas a Pedra já não se encontrava mais lá. E agora o que fazia? Angustiado foi para os seus aposentos pensativo. Enquanto pensava, foi rodando a moeda de ouro que Ivanoel lhe dera para o salvar do palácio do Sultão. Uma nuvem formou-se e surgiu um ser dessa nuvem.

- Sou um génio. Estou ao vosso dispor.

- Ohhh, um génio?... - Admirou-se Adolfo. – Gostava de vos pedir se podeis transformar Ivanoel de novo em Homem?

- Poderei libertá-lo da gaiola mágica mas para o transformar só através da ação da mão humana. No entanto vos direi como fazê-lo. Ide ao poço que já conheceis e descei pondo a moeda na boca e mergulhai. Não precisais de recear perecer pois isso não vos acontecerá. Ide até ao fundo do poço onde vereis uma argola de ferro. Puxai-a e a tampa se abrirá. Descei pelas escadas que encontrardes e vereis um jardim, procurai uma pereira e colhei uma. Fazei o caminho de volta sem vos deterdes com nada. Fugi do pássaro de asas de prata caso este apareça pois é o seu poder que prende o vosso amigo cavaleiro. Se vos atacar, dai-lhe uma espiga de milho que encontrardes no jardim.

Adolfo assim fez. Foi até ao poço e seguiu as instruções do Génio sem dificuldade. No início fez-lhe impressão mergulhar mas verificou não haver problema em respirar dentro de água. Também se surpreendeu após abrir a tampa de pedra no fundo do poço, de nenhuma água verter para o subterrâneo. Desceu as escadas para o jardim e rapidamente encontrou a pereira. Já fazia o caminho de volta quando surgiu uma enorme ave de asas de prata. A ave fazia voos rasantes e o Cavaleiro teve que abrigar-se debaixo duma árvore. Procurou a espiga de milho e com alguma dificuldade encontrou-a e atirou-a para longe. A ave voou como uma flecha para onde estava a espiga e desatou a comer o milho, distraindo-se. Assim Adolfo conseguiu fazer o caminho de volta.

Chegou à casa de Navid, mas viu a sua oportunidade de entrar nos aposentos onde estava a gaiola, goradas pela presença de Shabnan.

Aliás, durante dias Adolfo não conseguiu entrar nos aposentos do casal pois Shabnan fechava a porta à chave. Adolfo estava a desesperar.

Entretanto era forçado a conviver com ela, diariamente.

Após Shabnan ter transformado Ivanoel numa ave, o seu comportamento mudara visivelmente. Estava mais expansiva e inclusivamente, tentava aproximar-se de Adolfo. Mais, insinuava-se a ele. Adolfo recuava sempre e num momento que Shabnan quase o beijara, Adolfo exclamou:

- Porque me tentais? Acaso não vos lembrais da minha verdadeira natureza?

- Eu olho para vós e só vejo um homem. Um homem que ainda não descobriu que é homem.

Adolfo sentiu-se constrangido e retirou-se.

Resistia em ter intimidades com qualquer mulher mas desde a transformação sentia-se diferente.

Até que uma tarde Shabnan ausentou-se de casa e Adolfo esgueirou-se para os aposentos do casal. O seu coração apertou-se quando viu que a gaiola não estava lá.

-Procurais algo? – A voz de Shabnan fez-se ouvir inesperadamente, sobressaltando Adolfo.

- Es… esperava… Por vós… - Balbuciou ele dizendo a primeira coisa que lhe ocorrera.

- Ah, o doce Adolfo finalmente decidiu assumir a sua virilidade! – Replicou ela sorrindo sedutoramente. Adolfo pestanejou corando.

- É… - respondeu ele por fim, deixando que Shabnan o beijasse. Deixou-se ir na esperança de adormecer qualquer desconfiança de Shabnan e de descobrir o paradeiro de Ivanoel.

A noite já caíra quando Adolfo pediu a Shabnan um chá. Esta ausentou-se diligente e nesse instante Adolfo convocou o génio da moeda.

- Encontrai rapidamente a gaiola e levai a pera pois encontro-me impossibilitado de sair daqui e desconheço o paradeiro de Ivanoel. – Pediu o cavaleiro ao génio que acedeu prontamente. Shabnan entrou com o chá e Adolfo, num momento de distracção da formosa oriental, deitou água na chávena dela. Não tardou que a bela mulher se sentisse mole e sem forças caindo num sono profundo. Adolfo procurou a Pedra. Naquele momento entrou Ivanoel.

- Que fazeis no quarto com ela? – Exclamou atónito Ivanoel olhando para Adolfo semi nu. Após abraçar o amigo, Adolfo explicou com vivacidade os acontecimentos, continuando a procurar a Pedra.

- Mas vós… - Tentou intervir Ivanoel, sendo interrompido pelo companheiro que lhe estendeu a Pedra com os olhos brilhantes.

- Ei-la! – E friccionou-a como da outra vez. A luz apareceu e o guardião da Pedra fez-se presente com o seu sorriso bondoso.

- Meus filhos, fico contente por me convocarem. É uma alegria estar convosco novamente, depois de tantas vivências que tivestes em tão pouco tempo. Bravo Ivanoel, sois testemunha da afeição de Adolfo por vós e a vida mostrou-vos que as aparências enganam e o que conta é a voz do coração. Doce Adolfo, tudo fizestes por amor a Ivanoel, porém pareceis ter dado um passo em direcção à vossa masculinidade. Amor incondicional decerto, mas pareceis ter chegado a uma encruzilhada. Que dizem então os vossos corações?

- Eu amo-vos. – Confessou Ivanoel de lágrimas nos olhos. – Sejais Aegle ou Adolfo, são tudo formas de Amor. Pesa-me perder um para ficar com o outro mas gostava de ser feliz com Aegle.

- Eu… - Adolfo hesitava e ao mesmo tempo sentia a emoção a apertar-lhe a garganta. – Neste momento já não sei de nada…

Ivanoel chorou ao ouvir as palavras do amigo e abraçou-o, enquanto o Guardião proferia em tom sábio: - Deixai que a Pedra decifre os vossos corações.

Os dois choravam e as lágrimas banhavam a Pedra da Felicidade. Então, gradualmente, Ivanoel viu Adolfo transformar-se em Aegle. Louco de alegria pegou nela e beijou-a. Ela correspondeu-lhe mas depois fitou-o.

- Não sentireis a falta de Adolfo?

- Sim, mas é convosco que me sinto completo. – Declarou Ivanoel.

- Quem sabe um dia?... - Sorriu o Guardião despedindo-se do casal apaixonado.



Epílogo



- Adolfo! Adolfo! Onde estás? – A voz de Ivanoel soava ecoando nos verdes campos da sua terra natal. Uma criança de seis anos surgiu correndo.

- Estou aqui, papá. Olha, trouxe umas flores para a mamã! – E estendeu um ramo de flores variadas. Ivanoel riu-se.

- Gostas tanto de flores que não sei como vais virar cavaleiro quando cresceres.

- Uma coisa não impede a outra. – A voz de Aegle fez-se ouvir, enquanto pegava na criança ao colo e recebia as flores que lhe eram destinadas. – A felicidade reside em sermos o que somos… com amor.

Ivanoel sorriu e beijou-a diante do sorriso feliz de Adolfo.


Fim

Autoria de Florbela de Castro
2013

Ég elska þig ástin mín. Galdur

Link da 1ªparte:
http://artlira.blogspot.pt/2013/02/conto-o-cavaleiro-e-pedra-da-felicidade.html

Link da 2ªparte:
http://artlira.blogspot.pt/2013/02/conto-o-cavaleiro-e-pedra-da-felicidade_21.html

Imagens retiradas da net. 2º e 3ª imagem autoria: Ruoxing Zhang

Pode compartilhar livremente a obra desde que respeite os creditos. 

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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Conto: " O Cavaleiro e a Pedra da Felicidade" - 2ª Parte - de Florbela de Castro




Adolfo corria às cegas, transtornado. Fora imprudente e agora poderia perder Ivanoel. Era cedo para ele saber. Entrou em casa de Navid e cerrou-se nos seus aposentos, chorando sobre o leito.

Por seu turno, Ivanoel, que ficara chocado e sem reacção, foi tomado por sentimentos de consternação, desorientação e constrangimento.” Como podia ser tal coisa?!... O seu companheiro perdera o tino! Só podia ser isso, não encontrava outra explicação plausível. Ou será que o enganara este tempo todo??”

Cerrou os punhos, sentindo uma fúria crescer dentro de si.” Adolfo teria de explicar-se!”

Como um furacão chegou a casa de Navid e entrou no quarto de Adolfo de rompante, vociferando:

- Cavaleiro Adolfo! Exijo uma explicação!

Adolfo olhou-o com uma expressão de animal acossado e estremeceu. Ivanoel apercebeu-se da reacção amedrontada de Adolfo e ainda se sentiu mais irritado. Agarrou o frágil cavaleiro pelos ombros abanando-o.

- Portai-vos como um homem! Um cavaleiro jamais tem medo doutro cavaleiro! Ou agora virastes cobarde?? Explicai a sandice que me dissestes há pouco no poço!

- É tudo verdade! – Gritou também Adolfo tentando libertar-se – Mas vós não podeis compreender!

- Parai! - Exclamou a voz de Shabnan que entrara nos aposentos. – Adolfo fala verdade … e sempre vos foi leal…. Eu vos explicarei.

Os dois olharam para Shabnan e esta prosseguiu com firmeza e autoridade. – Desde cedo fui uma estudante da Alta Magia e consigo descortinar bem onde existe um encantamento. Adolfo foi vítima dum poderoso encantamento que o transforma de dia num homem de verdade e à noite lhe devolve a sua forma feminina original.

Aquelas palavras atingiram Ivanoel como uma flecha. Adolfo era uma mulher?? Lentamente virou a cabeça para Adolfo examinando-o como se estivesse a fazê-lo pela primeira vez.

- Não posso crêr!... Como tal é possível? – Exclamou Ivanoel finalmente e com ar incrédulo.

-Esperai até a noite ganhar forma e vereis. – Declarou Shabnan.

E assim fizeram. Ivanoel esperava, não pronunciando qualquer palavra e fechado em si mesmo. Adolfo permanecia como que um pouco encolhido e com ar ferido. Queria aproximar-se de Ivanoel mas o ar sisudo deste, dissuadia-o.

Finalmente a metamorfose deu-se e no lugar de Adolfo surgiu uma graciosa mulher de cabelos cor de chocolate. Ivanoel reconheceu a mulher que vira numa noite.

- Ereis vós!

- Sim, era eu. Perdoai-me nunca vos ter contado o que se passava comigo mas ao início sempre me fechei em relação a revelar todo o meu sofrimento e depois apaixonei-me por vós e receava a vossa rejeição.

Aquelas revelações agitavam Ivanoel no seu íntimo. Sentia-se baralhado com a situação e não parava de olhar para aquela mulher desconhecida. Adolfo suspirou como que a tomar coragem e continuou:

- Sou Aegle. Sou vítima duma maldição vaticinada desde antes do meu nascimento. A minha família tem uma inimiga ancestral, que rogou uma praga aos meus pais para que tivessem uma filha que não primasse pela beleza e que nunca conseguisse casar. Caso algum dia fosse amada e correspondesse, seria para sempre homem de dia e mulher de noite. Ao saber disto o meu pai fez-me usar um véu a partir dos meus dez anos e isolou-me numa ilha com uma dama de companhia. Quando eu completei os 19 anos um cavaleiro naufragou na ilha e apaixonámo-nos. Ele queria casar comigo mas quando o encantamento desencadeou a minha dupla natureza ele abandonou a ilha…

Aegle parou para suspirar e desviou o olhar para a janela:- Mais tarde consegui sair da ilha com a ajuda da minha dama de companhia e do seu escudeiro. Tornei-me um cavaleiro com o passar dos anos e sempre fui muito solitária. Um dia ouvi falar da Pedra da Felicidade e o resto já sabeis...

Ivanoel ouvira-a experimentando algum compadecimento, contudo sentia-se enganado e essas duas emoções antagónicas melindravam-no.

- Entendo o vosso passado e a vossa demanda. – Respondeu ele por fim.- Porém não posso olvidar que me lograstes no decurso da nossa amizade. Posto isto, declaro que irei buscar a Pedra para vós como cavaleiro honrado que sou, mas proíbo-vos de me acompanhar. Ficareis aqui na casa de Navid.

Aegle levantou-se de rompante com intenção de protestar mas Ivanoel fitou-a rudemente do alto da sua estatura – Ficai longe de mim!

E saiu para os seus aposentos deixando Aegle de lágrimas nos olhos novamente. – Ele despreza-me! - Soluçou ela para Shabnan. Esta olhou-a condoída e ofereceu-lhe um chá e bolinhos, enquanto conversavam um pouco a fim de acalmar a mulher-cavaleira.

- Escutai-me, - dizia Shabnan – Infelizmente não está no meu poder conseguir que sejais mulher para sempre mas poderei ajudar-vos a aproximar de Ivanoel. Levai esta garrafa de água convosco e na primeira ocasião dai-lha a beber.

Aegle assim fez e na noite seguinte conseguiu dar a água a Ivanoel durante o jantar.

Já era noite alta quando Ivanoel se deparou com Aegle perto duma gelosia… ou seria Shabnan? Tomado por um sentimento estranho, Ivanoel beijou Aegle e tomou-a nos braços.





Ivanoel partira sozinho em direcção à montanha. Sem saber, no seu rasto seguia Adolfo.

Ivanoel tinha recordações enevoadas dos momentos com Aegle. Para ele assemelharam-se a um sonho agradável mas desconcertante. Tentou afastar os pensamentos, pois não se permitia a esses devaneios. Estava deveras ressentido com Adolfo pois tomara-o como um verdadeiro amigo e agora descobrira que não só Adolfo não existia mas também a pessoa que ele era, fora dissimulada com ele.

Assim estava perdido nos seus pareceres, olhando as chamas da fogueira, quando ouviu um cavalo. Deste desceu Aegle, pois já era de noite.

- Vós?? Aqui? – Bramiu Ivanoel - Eu não vos disse para ficardes na casa de Navid?! Mas que capricho as mulheres têm em fazer tudo como querem!

- Não sou só uma mulher! – Ripostou Aegle abespinhada – Por isso não sou assim tão frágil!

- O que quer que sejais não desejo a vossa companhia! – Rugiu ele irritado.

- Pois na última noite que passastes na casa de Navid adorastes a minha companhia! – Gritou Aegle não se contendo. O homem fitou-a por uns instantes, confrangido e logo entendeu tudo.

- Não encontro em mim razões para o ter feito. Deve ter sido uma fraqueza… Julguei ser Shabnan… Nutro uma afeição por ela. Quanto a vós, não sei o que sois. Eu amava Adolfo como um irmão mas vós… não sei o que sois.

Aegle sentiu-se aniquilada com as palavras de Ivanoel, enquanto este se afastava para a sua tenda.





Na manhã seguinte o moreno cavaleiro percebeu que Aegle/Adolfo não se encontrava mais ali. Sentiu alguma apreensão mas lembrando-se da experiência de Adolfo como cavaleiro decidiu não se preocupar. Prosseguiu a sua caminhada em direcção à Pedra. Quando alcançou o alto da montanha, entrou numas grutas e desceu durante algum tempo pelo único caminho visível. As galerias eram maravilhosas cheias de estalactites e estalagmites. Quando passou por um local com um arco, apareceu-lhe um Ser masculino de longas barbas e ar imponente.

- Sou o guardião deste lugar. Benvindo. O que desejais?

- Procuro a Pedra da Felicidade para libertar uma Dama presa a uma maldição. – E contou o caso de Aegle.

- Amais essa Dama? – Inquiriu o Guardião, bondosamente.

- A verdade… É que... Não… - Balbuciou Ivanoel embaraçado.

- Então porque desejais libertá-la? Acaso sabeis que a Pedra da Felicidade só pode ser activada perante um verdadeiro Amor?

Ivanoel estacou atónito. Por momentos sentiu-se desorientado. Poderia levar a Pedra mas sem Amor não funcionaria.

- A Pedra pode vir a ser útil à Dama num futuro… - quase murmurou o cavaleiro.

- Ide. – Ordenou o guardião estendendo a Pedra com ar misterioso.- E recomendai à Dama que a use junto ao peito.

Ivanoel assim partiu de regresso à casa de Navid, desapontado pela demanda pela Pedra se revelar malograda.

(Continua)

imagens retiradas da net

Autoria: Florbela de Castro
2013

Link da 1ªparte:
 http://artlira.blogspot.pt/2013/02/conto-o-cavaleiro-e-pedra-da-felicidade.html

Link da 3ªparte-Final:
http://artlira.blogspot.pt/2013/02/o-cavaleiro-e-pedra-da-felicidade-3.html

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domingo, 10 de fevereiro de 2013

Conto: "O Cavaleiro e a Pedra da Felicidade" - 1ª Parte - de Florbela de Castro




Ivanoel era cavaleiro há quase 2 décadas, contudo ainda não chegara aos quarenta anos. De família de origem nobre mas já arruinada antes do seu nascimento, Ivanoel crescera num lar com privações, numa casa no campo. Mas com obstinação almejou chegar a cavaleiro ainda não era homem feito. Neste momento da sua vida já combatera em muitas guerras e batalhas e encontrava-se numa rota num país distante q o levaria ao porto para embarcar no veleiro de volta para o seu país.

Acomodara-se numa ligeira encosta após se alimentar duma côdea de pão, preparando-se para descansar, quando ouviu ali um ruido abafado de passos. Ivanoel conhecia bem os sons da natureza e apercebeu-se q aquele som era metálico o que o pôs em alerta; podia ser um inimigo.

No seu campo de visão surgiu um cavaleiro em armadura, com a viseira do elmo descida. De imediato Ivanoel desembainhou a sua espada e quase no mesmo instante o outro cavaleiro dispôs a sua lança em riste.

- Quem sois? – Bradou Ivanoel. O outro cavaleiro estacou hesitante e acabou por levantar a viseira e baixar a lança.

- O meu nome é Adolfo e sou desta terra. Mas vós tendes aspecto de ser estrangeiro.

Ivanoel assentiu embainhando a espada. Contou-lhe a razão de se encontrar naquela terra. Adolfo convidou-o a saborear um peixe assado. Conduziu-os a um caudal ali perto e após boa pescaria, assaram juntos uma deliciosa refeição de peixe e pão escuro com uma bebida de malte, tudo fornecido por Adolfo. Ivanoel observava Adolfo com alguma curiosidade. Este parecia pequeno e frágil para ser um cavaleiro. Devia ser muito jovem pois o seu rosto era imberbe e de traços suaves e delicados. Adolfo deitou-lhe um olhar dissimulado e desviou os olhos parecendo perturbado e perguntando bruscamente: - Algum problema?...

Ivanoel respondeu-lhe com outra pergunta: - Que fazeis por estes caminhos?... Que destino vos leva a realizar esta peregrinação?

- Encontro-me na demanda da Pedra da Felicidade. É uma pedra tão preciosa que não existe em mais lugar algum do mundo e tem o poder da Verdadeira Felicidade.

- E para que te interessa tal pedra? – Interpelou Ivanoel francamente - Acaso não sois feliz, Cavaleiro Adolfo?

As feições de Adolfo anuviaram-se, adoptando uma expressão de amargura e resignação.

- Existe uma dama, de nome Aegle, que está presa a uma maldição que não permite que ela seja livre para amar. – A resposta de Adolfo denotou uma emoção profunda.

Ivanoel fitou-o perplexo; deduziu pelo discurso de Adolfo que este deveria dedicar um amor devoto por essa donzela. Ao concluir que tão jovem cavaleiro dedicava a sua vida naquela demanda, o seu respeito por Adolfo enalteceu-se.

- Amais essa Dama? O que ela é para vós?... E como uma Pedra pode ter tamanho poder?

- Trata-se duma pedra mágica – explicou Adolfo falando pausadamente. Calou-se por uns momentos como que vendo algo ao longe – Quem a tiver em seu poder ficará liberto de todas as amarras que impedem a felicidade.

- Sabeis onde a encontrar?- Inquiriu Ivanoel.

- Não exactamente. Busco um mago no cimo da montanha mais alta do meu país, que me dará um mapa.

- Irei convosco. – Retorquiu o moreno cavaleiro com determinação – Acompanhar-vos-ei nessa busca de tão nobre propósito.

- … Quanto à Dama… é alguém de quem sou muito próximo… - Levantou-se bruscamente como que para afastar pensamentos desoladores e agradeceu a cooperação de Ivanoel, pedindo-lhe apenas que durante toda a jornada não dormissem juntos na tenda de campanha.

Ivanoel fitou-o perplexo ao ouvir aquelas palavras, pois o pedido soava-lhe descabido mas conteve-se e preferiu respeitar a vontade do Cavaleiro desconhecido, mesmo que muito misterioso.

E assim partiram juntos naquilo que viria a ser uma aventura jamais sonhada, nas suas vidas, por qualquer um dos dois cavaleiros.


Durante longas semanas os dois homens percorreram montes e vales, planícies e planaltos. Durante aquele tempo o companheirismo cresceu entre os dois e tornaram-se como irmãos. Brincavam, riam juntos, pescavam, caçavam e cozinhavam.

Ivanoel como sempre, dormia separadamente de Adolfo, mas muitas vezes se perguntava o porquê disso, enquanto olhava para as estrelas.

Uma noite, já perto do seu destino, Ivanoel decidiu ficar acordado e foi passear nas redondezas. Qual não foi o seu espanto quando se deparou com uma formosa senhora de cabelos cor de chocolate. Como haviam passado durante o dia por uma casa numa colina, deduziu que pudesse ser habitante da mesma. No entanto era de estranhar vê-la fora de portas àquela hora, com a noite já avançada. Pressuroso, aproximou-se para oferecer-lhe a sua ajuda e protecção, contudo a misteriosa mulher fugiu ao vê-lo e Ivanoel perdeu-lhe o rasto. Perturbado, foi deitar-se após a procurar sem sucesso pelas redondezas.

No dia seguinte, contou a sua estranha aventura a Adolfo. Este ouviu-o com atenção e após um curto silêncio, replicou em voz suave que talvez fosse um espirito da natureza ou uma fada. O cavaleiro Ivanoel deixou transparecer no seu rosto a sua dúvida. A mulher parecera-lhe demasiado real para ser do reino mágico. Não quis insistir com o seu companheiro e guardou as suas interrogações para si.

Puseram-se a caminho e passado nem uma hora encontraram um velho de longas barbas no caminho. Era o Mago que Adolfo procurava. Este fitou-os com um olhar perscrutador como que sondando as suas almas.

- Viemos em busca do mapa para… - começou a falar Adolfo, sendo bruscamente interrompido pelo Velho sábio com um gesto impaciente.

- Escusais de prosseguir – replicou num tom seco – Já sei ao que vêm. Aqui têm o mapa.

Adolfo pegou no mapa primorosamente enrolado e estendeu-o um bocado hesitante e confuso com a facilidade e prontidão com que o obtivera. Quando observou o seu interior, o seu semblante esmoreceu: o local onde se encontrava a Pedra da felicidade era num país além-mar.

Ivanoel também se debruçou sobre o mapa e quando percebeu o desalento do companheiro, reafirmou o seu apoio e firmeza em continuarem na demanda da Pedra.

- Não desanimeis bravo Adolfo! – Exclamou o cavaleiro Ivanoel com vivacidade - Com tenacidade chegaremos ao porto deste país e de lá entraremos para o navio ou veleiro que nos levará para o Oriente!

Mas Adolfo deixou-se sentar pesadamente na beira do caminho. Os seus olhos marejaram-se de lágrimas.

- Estou cansado. – Desabafou com voz sumida. – Esgotado de tanta procura, de tanta espera… São muitos anos…

- Como podeis desanimar agora, companheiro? Estamos na posse do mapa e em direcção à Pedra caminharemos! Lembrai-vos da nobre Dama Aegle que vos espera, decerto ansiosa pelo vosso retorno!

Nesse momento o mago interveio em tom ambíguo: - Sei de que mal ele sofre, do mal de amor que lhe tortura o coração e a alma.

- Escutai-me nobre Cavaleiro. – Pediu suavemente Ivanoel pondo a mão no ombro de Adolfo – Pareceis-me jovem e no entanto tendes um ar demasiado melancólico para alguém tão tenaz e garboso e com tanto ainda para viver! Não percais a esperança logo agora!

Adolfo fitou-o com alguma esperança revivida e agradecido pelo entusiasmo com que o outro cavaleiro desejava ajudá-lo.

- Penso que tenho comigo algo que mitigará a vossa espera… - Replicou o mago estendendo-lhes uma pena. – Esta pena de falcão permitir-vos-á viajar numa questão de segundos até ao porto deste reino. Apenas tereis que lhe dar essa intenção. Porém a sua magia cessa aí. Guardai-a depois, porque pode ser-vos útil mais tarde.

Ao ouvir isto Adolfo pareceu renascer em contentamento. Despediram-se alegremente do mago e enquanto Adolfo tomava a dianteiro do caminho se afastando uns passos para se refrescar, o mago redarguiu em voz baixa para Ivanoel:

- Ides ao encontro do amor. Estai atento, escutai o vosso coração e não as aparências. Não sigais o que a vossa mente vos dita mas sim o que o coração vos indicar, ele é que é o sábio.

O cavaleiro olhou-o confuso. – Mas… Estais equivocado Sábio Mago! Não sou eu que procura o Amor e sim Adolfo.

- Às vezes quem nada procura, tudo encontra! – Ripostou o Mago misteriosamente e calou-se à vista de Adolfo.

Ivanoel ainda o fitou perplexo mas foi incitado pelo companheiro a encetarem a viagem até ao porto através da magia da pena.


Já no porto tomaram conhecimento do navio que partia para o Oriente e poucos dias depois embarcaram nele. A viagem foi longa mas decorreu sem incidentes de maior.

Vários meses depois desembarcavam no porto do Reino persa. Lá procuraram hospedagem e roupas. Por um acaso travaram conhecimento com um rico mercador que se mostrou agradado com os forasteiros e lhes ofereceu hospitalidade na sua própria casa. Eles aceitaram aliviados e contentes com a oferta.

A casa do mercador Navid era rica de belas colunas de mármore, trabalhadas e os dois cavaleiros foram muito bem recebidos. Cada um ficou com um quarto de hóspedes e tomaram banho, preparado pelos escravos de Navid. Vestiram bons trajes de seda e no final foram servidos de finas iguarias e manjares. Navid esmerara-se no acolhimento. Durante o repasto os dois forasteiros expuseram a sua demanda a Navid que prometeu ajudá-los.

Já no final surgiu uma linda dama velada que Navid apresentou como sua filha, Shabnan que significava gota de chuva. Navid revelou que a filha era conhecedora de magia e que talvez os pudesse auxiliar nos seus propósitos. A jovem mulher escutou tudo em silêncio e aquiesceu com a cabeça. Ivanoel agradou-se dos traços que o véu deixava adivinhar e de seus olhos e ficou estacado a mirá-la. Shabnan fitou o moreno cavaleiro demoradamente e deitou um olhar furtivo ao cavaleiro delicado. Adolfo desviou o rosto após ter-se apercebido da troca de olhares. Olhou para a lua com expressão vazia e despediu-se afirmando estar cansado da viagem. Shabnan retirou-se logo a seguir à saída de Adolfo, para grande pena de Ivanoel.

Deixou-se ficar mais um tempo até que acabou por se retirar. Qual não foi o seu espanto quando viu Shabnan sair dos aposentos de Adolfo! Não se conteve e interpelou a bela oriental. Esta olhou-o nos olhos e falou a meia voz:

- Talvez não compreendais as palavras que vou proferir agora mas viajais em direcção a um grande amor, mas por ora não vos poderei dizer mais nada. Amanhã ide com Adolfo ao poço que existe nos limites da cidade, ao entardecer e pedi ao vosso amigo para vos revelar o que mais o atormenta. O poço é mágico e perto dele qualquer pessoa só conseguirá falar a mais pura das verdades.

- Mas… porque me dizeis isto? Acaso achais que o meu companheiro não me é leal? Eu já sei o que mais atormenta o valoroso Adolfo! E isso não explica o que fazíeis nos seus aposentos.

- Sabereis esse porquê amanhã no poço… - E retirou-se sem mais delongas.

Tal como lhe aconselhara Shabnan, ao entardecer Ivanoel convidou Adolfo a ir passear até ao poço mas sem lhe revelar o seu propósito. Este assentiu com um ar melancólico. Estava assim desde que acordara para espanto de Ivanoel. Seguiram em silêncio até ao poço e lá descansaram. Ivanoel interpelou então o amigo o que o atormentava. Sem saber como, Adolfo respondeu-lhe que até ao dia anterior sofria por querer encontrar a Pedra mas que agora sofria por Ivanoel.

- Mas porquê por mim?...

- Porque vos amo e percebo que estais apaixonado por Shabnan! – Quase gritou Adolfo com intensidade. Ivanoel sentiu-se fulminado por aquela revelação absolutamente inesperada. Adolfo instintivamente tapou a boca com uma mão ficando petrificado, mas segundos depois corria veloz dali.


Autoria de : Florbela de Castro

imagens retiradas internet

2013

Link da 2ªparte:
http://artlira.blogspot.pt/2013/02/conto-o-cavaleiro-e-pedra-da-felicidade_21.html

Link da 3ªparte-Final:
http://artlira.blogspot.pt/2013/02/o-cavaleiro-e-pedra-da-felicidade-3.html

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sábado, 9 de fevereiro de 2013

Eu Não Te Conheço, Mas Sei Que Existes... - Joaquim Pessoa





Eu sei, não te conheço mas existes.

por isso os deuses não existem,

a solidão não existe

e apenas me dói a tua ausência

como uma fogueira

ou um grito.

Não me perguntes como, mas ainda me lembro

quando no outono cresceram no teu peito

duas alegres laranjas que eu apertei nas minhas mãos

e perfumaram depois a minha boca.


Eu sei, não digas, deixa-me inventar-te.

não é um sonho, juro, são apenas as minhas mãos

sobre a tua nudez

como uma sombra no deserto.

É apenas este rio que me percorre há muito e desagua em ti,

Porque tu és o mar que acolhe os meus destroços.

É apenas uma tristeza inadiável, uma outra maneira de habitares

Em todas as palavras do meu canto.


Tenho construído o teu nome com todas as coisas.

tenho feito amor de muitas maneiras,

docemente,

lentamente

desesperadamente

à tua procura, sempre à tua procura

até me dar conta que estás em mim,

que em mim devo procurar-te,

e tu apenas existes porque eu existo

e eu não estou só contigo

mas é contigo que eu quero ficar só

porque é a ti,

a ti que eu amo.


Imagem: jakutinga.blogspot.com

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

"Talvez" - Pablo Neruda



Talvez não ser,
é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando
o meio dia com uma
flor azul,
sem que caminhes mais tarde
pela névoa e pelos tijolos,
sem essa luz que levas na mão
que, talvez, outros não verão dourada,
que talvez ninguém
soube que crescia
como a origem vermelha da rosa,
sem que sejas, enfim,
sem que viesses brusca, incitante
conhecer a minha vida,
rajada de roseira,
trigo do vento,

E desde então, sou porque tu és
E desde então és
sou e somos...
E por amor
Serei... Serás...Seremos...