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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Conto: " O Cavaleiro e a Pedra da Felicidade" - 2ª Parte - de Florbela de Castro




Adolfo corria às cegas, transtornado. Fora imprudente e agora poderia perder Ivanoel. Era cedo para ele saber. Entrou em casa de Navid e cerrou-se nos seus aposentos, chorando sobre o leito.

Por seu turno, Ivanoel, que ficara chocado e sem reacção, foi tomado por sentimentos de consternação, desorientação e constrangimento.” Como podia ser tal coisa?!... O seu companheiro perdera o tino! Só podia ser isso, não encontrava outra explicação plausível. Ou será que o enganara este tempo todo??”

Cerrou os punhos, sentindo uma fúria crescer dentro de si.” Adolfo teria de explicar-se!”

Como um furacão chegou a casa de Navid e entrou no quarto de Adolfo de rompante, vociferando:

- Cavaleiro Adolfo! Exijo uma explicação!

Adolfo olhou-o com uma expressão de animal acossado e estremeceu. Ivanoel apercebeu-se da reacção amedrontada de Adolfo e ainda se sentiu mais irritado. Agarrou o frágil cavaleiro pelos ombros abanando-o.

- Portai-vos como um homem! Um cavaleiro jamais tem medo doutro cavaleiro! Ou agora virastes cobarde?? Explicai a sandice que me dissestes há pouco no poço!

- É tudo verdade! – Gritou também Adolfo tentando libertar-se – Mas vós não podeis compreender!

- Parai! - Exclamou a voz de Shabnan que entrara nos aposentos. – Adolfo fala verdade … e sempre vos foi leal…. Eu vos explicarei.

Os dois olharam para Shabnan e esta prosseguiu com firmeza e autoridade. – Desde cedo fui uma estudante da Alta Magia e consigo descortinar bem onde existe um encantamento. Adolfo foi vítima dum poderoso encantamento que o transforma de dia num homem de verdade e à noite lhe devolve a sua forma feminina original.

Aquelas palavras atingiram Ivanoel como uma flecha. Adolfo era uma mulher?? Lentamente virou a cabeça para Adolfo examinando-o como se estivesse a fazê-lo pela primeira vez.

- Não posso crêr!... Como tal é possível? – Exclamou Ivanoel finalmente e com ar incrédulo.

-Esperai até a noite ganhar forma e vereis. – Declarou Shabnan.

E assim fizeram. Ivanoel esperava, não pronunciando qualquer palavra e fechado em si mesmo. Adolfo permanecia como que um pouco encolhido e com ar ferido. Queria aproximar-se de Ivanoel mas o ar sisudo deste, dissuadia-o.

Finalmente a metamorfose deu-se e no lugar de Adolfo surgiu uma graciosa mulher de cabelos cor de chocolate. Ivanoel reconheceu a mulher que vira numa noite.

- Ereis vós!

- Sim, era eu. Perdoai-me nunca vos ter contado o que se passava comigo mas ao início sempre me fechei em relação a revelar todo o meu sofrimento e depois apaixonei-me por vós e receava a vossa rejeição.

Aquelas revelações agitavam Ivanoel no seu íntimo. Sentia-se baralhado com a situação e não parava de olhar para aquela mulher desconhecida. Adolfo suspirou como que a tomar coragem e continuou:

- Sou Aegle. Sou vítima duma maldição vaticinada desde antes do meu nascimento. A minha família tem uma inimiga ancestral, que rogou uma praga aos meus pais para que tivessem uma filha que não primasse pela beleza e que nunca conseguisse casar. Caso algum dia fosse amada e correspondesse, seria para sempre homem de dia e mulher de noite. Ao saber disto o meu pai fez-me usar um véu a partir dos meus dez anos e isolou-me numa ilha com uma dama de companhia. Quando eu completei os 19 anos um cavaleiro naufragou na ilha e apaixonámo-nos. Ele queria casar comigo mas quando o encantamento desencadeou a minha dupla natureza ele abandonou a ilha…

Aegle parou para suspirar e desviou o olhar para a janela:- Mais tarde consegui sair da ilha com a ajuda da minha dama de companhia e do seu escudeiro. Tornei-me um cavaleiro com o passar dos anos e sempre fui muito solitária. Um dia ouvi falar da Pedra da Felicidade e o resto já sabeis...

Ivanoel ouvira-a experimentando algum compadecimento, contudo sentia-se enganado e essas duas emoções antagónicas melindravam-no.

- Entendo o vosso passado e a vossa demanda. – Respondeu ele por fim.- Porém não posso olvidar que me lograstes no decurso da nossa amizade. Posto isto, declaro que irei buscar a Pedra para vós como cavaleiro honrado que sou, mas proíbo-vos de me acompanhar. Ficareis aqui na casa de Navid.

Aegle levantou-se de rompante com intenção de protestar mas Ivanoel fitou-a rudemente do alto da sua estatura – Ficai longe de mim!

E saiu para os seus aposentos deixando Aegle de lágrimas nos olhos novamente. – Ele despreza-me! - Soluçou ela para Shabnan. Esta olhou-a condoída e ofereceu-lhe um chá e bolinhos, enquanto conversavam um pouco a fim de acalmar a mulher-cavaleira.

- Escutai-me, - dizia Shabnan – Infelizmente não está no meu poder conseguir que sejais mulher para sempre mas poderei ajudar-vos a aproximar de Ivanoel. Levai esta garrafa de água convosco e na primeira ocasião dai-lha a beber.

Aegle assim fez e na noite seguinte conseguiu dar a água a Ivanoel durante o jantar.

Já era noite alta quando Ivanoel se deparou com Aegle perto duma gelosia… ou seria Shabnan? Tomado por um sentimento estranho, Ivanoel beijou Aegle e tomou-a nos braços.





Ivanoel partira sozinho em direcção à montanha. Sem saber, no seu rasto seguia Adolfo.

Ivanoel tinha recordações enevoadas dos momentos com Aegle. Para ele assemelharam-se a um sonho agradável mas desconcertante. Tentou afastar os pensamentos, pois não se permitia a esses devaneios. Estava deveras ressentido com Adolfo pois tomara-o como um verdadeiro amigo e agora descobrira que não só Adolfo não existia mas também a pessoa que ele era, fora dissimulada com ele.

Assim estava perdido nos seus pareceres, olhando as chamas da fogueira, quando ouviu um cavalo. Deste desceu Aegle, pois já era de noite.

- Vós?? Aqui? – Bramiu Ivanoel - Eu não vos disse para ficardes na casa de Navid?! Mas que capricho as mulheres têm em fazer tudo como querem!

- Não sou só uma mulher! – Ripostou Aegle abespinhada – Por isso não sou assim tão frágil!

- O que quer que sejais não desejo a vossa companhia! – Rugiu ele irritado.

- Pois na última noite que passastes na casa de Navid adorastes a minha companhia! – Gritou Aegle não se contendo. O homem fitou-a por uns instantes, confrangido e logo entendeu tudo.

- Não encontro em mim razões para o ter feito. Deve ter sido uma fraqueza… Julguei ser Shabnan… Nutro uma afeição por ela. Quanto a vós, não sei o que sois. Eu amava Adolfo como um irmão mas vós… não sei o que sois.

Aegle sentiu-se aniquilada com as palavras de Ivanoel, enquanto este se afastava para a sua tenda.





Na manhã seguinte o moreno cavaleiro percebeu que Aegle/Adolfo não se encontrava mais ali. Sentiu alguma apreensão mas lembrando-se da experiência de Adolfo como cavaleiro decidiu não se preocupar. Prosseguiu a sua caminhada em direcção à Pedra. Quando alcançou o alto da montanha, entrou numas grutas e desceu durante algum tempo pelo único caminho visível. As galerias eram maravilhosas cheias de estalactites e estalagmites. Quando passou por um local com um arco, apareceu-lhe um Ser masculino de longas barbas e ar imponente.

- Sou o guardião deste lugar. Benvindo. O que desejais?

- Procuro a Pedra da Felicidade para libertar uma Dama presa a uma maldição. – E contou o caso de Aegle.

- Amais essa Dama? – Inquiriu o Guardião, bondosamente.

- A verdade… É que... Não… - Balbuciou Ivanoel embaraçado.

- Então porque desejais libertá-la? Acaso sabeis que a Pedra da Felicidade só pode ser activada perante um verdadeiro Amor?

Ivanoel estacou atónito. Por momentos sentiu-se desorientado. Poderia levar a Pedra mas sem Amor não funcionaria.

- A Pedra pode vir a ser útil à Dama num futuro… - quase murmurou o cavaleiro.

- Ide. – Ordenou o guardião estendendo a Pedra com ar misterioso.- E recomendai à Dama que a use junto ao peito.

Ivanoel assim partiu de regresso à casa de Navid, desapontado pela demanda pela Pedra se revelar malograda.

(Continua)

imagens retiradas da net

Autoria: Florbela de Castro
2013

Link da 1ªparte:
 http://artlira.blogspot.pt/2013/02/conto-o-cavaleiro-e-pedra-da-felicidade.html

Link da 3ªparte-Final:
http://artlira.blogspot.pt/2013/02/o-cavaleiro-e-pedra-da-felicidade-3.html

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