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segunda-feira, 1 de abril de 2013

Conto: " O Príncipe Trovador" - 1ª parte - de Florbela de Castro





Era uma vez numa cidade de Itália um belo príncipe de caracóis escuros e olhos azuis que já passara da idade casadoira. Seu nome era Raimundo. O príncipe Raimundo adorava navegar e trovar. Era frequente ouvi-lo dedilhar o seu alaúde ou escrever quadras. Não se interessava pelo governo do reino o que muito exasperava seu pai, o rei. Amava o mar e também o campo, para onde frequentemente se escapava sozinho ou escassas vezes acompanhado dum único escudeiro seu amigo. Ia sempre disfarçado para que não o reconhecessem.

De vez em quando o rei concebia bailes chamando várias princesas com o intuito de arranjar uma que satisfizesse o príncipe e o levasse a casar. Mas este não se decidia por nenhuma.

Aurora era uma linda tecedeira e bordadeira que vivia no campo, longe do palácio Real. Habitava numa bonita e graciosa cabana rodeada de flores e um tapete verdejante ao seu redor e rendas no seu interior. Adorava o campo e o mar mas raramente via este último pois era longe de sua casinha. Falava com as plantas e as flores e os animais eram seus amigos. Admirava o sol e a lua. Uma noite em que o céu estava límpido e estrelado e a lua estava cheia, deixou-se levar pelos seus pensamentos sonhando com um amor e uma família, a certa altura viu da própria lua sair uma bola de fogo branca que se aproximou da sua janela. A bola tomou a forma duma linda mulher etérea que se apresentou como sendo uma fada.

- Minha querida, sei que sonhais com um grande Amor. Em breve, quando chegar o Outono, vai-te aparecer alguém para concretizar esse sonho, no entanto precisas de estar preparada. Confia em mim. Faz uma capa para estares preparada para o seu aparecimento.

- Mas como saberei que é ele?- interrogou Aurora curiosa.

- O vosso coração o reconhecerá. Chama-me quando terminares a capa.

A jovem mulher deitou mãos à obra e como tinha poucos recursos costurou uma capa de chita com capuz. Quando terminou, chamou a fada e esta surgiu, olhou para a capa e tocou-a com a sua varinha de condão e transformou-a numa belíssima capa de veludo azul, recomendando-lhe que a usasse sempre ao fim da tarde.

Aurora assim fez. Quando chegou o outono dava pequenos passeios nas imediações da sua cabana ao fim da tarde ficando a admirar o pôr-do-sol e depois as estrelas.

Raimundo entediava-se no Palácio. Passara todo o Verão em festas próprias da estação, mas agora que o Outono dava ar da sua graça, sentia um vazio dentro de si. A vida no palácio podia ser frenética mas não o preenchia. Levantou-se repentinamente, mudou para uns trajes modestos e dirigiu-se às cavalariças, selando um cavalo.

Pouco tempo depois cavalgava veloz, sentindo, deliciado, o vento no rosto e cabelos.

De repente vislumbrou um vulto embuçado junto a um tapete de flores. Apeou-se curioso. Quando já estava perto a pessoa voltou-se para ele revelando a sua beleza feminina. O príncipe sentiu-se imediatamente fascinado.

Aurora olhou o desconhecido com o coração exultante. Era Ele.

- As mais belas flores não fazem jus à tua formusura. – Declarou Raimundo com voz suave.

Aurora corou, sentindo-se emocionada.

Raimundo permaneceu na companhia da linda mulher até ser noite cerrada, sem no entanto revelar a sua verdadeira identidade. Por seu turno Aurora jamais tirava a sua capa.

A partir daquele dia, o príncipe rumava frequentemente para a cabana de Aurora. Todas essas vezes, ele oferecia-lhe flores e frutos, comiam juntos, falavam, brincavam e amavam-se. Raimundo levava o seu alaúde e dedilhava-o, tocando e cantando belos versos de amor que lhe saíam do seu coração. Aurora escutava-o embevecida. Cheios de cumplicidade trocavam frases de amor que se tornavam em belas quadras.

Assim se passou o Outono e grande parte do Inverno, com momentos cheios de amor, felicidade e cumplicidade.



Um dia, caiu um forte nevão e o príncipe viu-se impedido de aparecer. E no dia seguinte. E no dia seguinte também. Raimundo ardia de impaciência e o rei acabou por reparar no seu estado agitado. Aliás o rei já há muito que desconfiava das saídas secretas do seu filho. Convocou o seu ministro e declarou:

- Temos um problema, suspeito que o meu filho tenha um romance clandestino. E tenho de impedir que continue!

- Podeis mandá-lo além-mar, o príncipe adora velejar! Mesmo estando a nevar podeis enviá-lo até a outra zona do nosso vasto país e daí fazê-lo embarcar. – Sugeriu o ministro com voz melíflua.

O rei concordou satisfeito. Naquela mesma tarde anunciou a dita viagem ao príncipe. Este pensou em Aurora, mas adorava velejar e aquela viagem era necessária para o reino. Voltaria a vê-la mal voltasse.

Aurora esperava ansiosa pela volta de Raimundo. Calculava que o nevão o impedia de lá voltar mas o tempo passou, o nevão passou, o inverno passou e Raimundo não aparecia. A bela mulher chamava a fada nas luas cheias mas não obtinha resposta. Ficou só vendo o seu ventre crescer pouco a pouco. Sentia-se desventurada pela ausência do seu amado e nada lhe devolvia a alegria. Soluçava diariamente saudosa do seu amado, sem compreender o porquê do seu desaparecimento. Somente o fruto que crescia dentro de si lhe trazia esperança e alegria. Podia ser que ele retornasse um dia. Mas os meses sucediam-se e nem sinal de Raimundo.

Perto do Outono seguinte Aurora deu à luz um lindo casal de gémeos.

Embrulhou-os na capa de veludo tristemente, pensando no seu amado e beijando as crianças com amor. Estava só no mundo. Que seria agora do seu destino? Em voz alta perguntou com todo o seu coração:

- Meu amor, porque me abandonaste?

Lá longe, Raimundo pensava em Aurora imensas vezes, sentindo uma saudade imensa e desconhecendo que fora pai.

Olhou o céu sentindo um aperto no coração e murmurou:

-Meu amor, não te esqueci, não te abandonei, espera que eu volto.

E fechou os olhos deixando rolar algumas lágrimas pelo seu rosto.




Fim da 1ª parte

Autoria de Florbela de Castro

Imagens retiradas da net

2ª imagem por Sharon Shar

Link da 2ª parte: http://artlira.blogspot.pt/2013/06/conto-o-principe-trovador-2-parte.html

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